Atrasos ou cancelamento de voos fazem parte da rotina dos usuários de companhias aéreas. Em alguns casos, como naqueles relacionados a questões climáticas, a impontualidade pode ser inevitável. Noutros, o atraso poderia ser evitado, já que resultam de problemas relacionados ao gerenciamento das operações.
Uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Economia dos Transportes (Nectar) do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, procurou investigar se os atrasos considerados evitáveis são mais frequentes em mercados mais concentrados, como o brasileiro, onde poucas companhias detêm fatia grande de mercado. O foco de interesse do estudo foi entender o papel da concorrência nos atrasos de voo e o papel das empresas de baixo custo (low cost carriers, LCC) neste mercado.
A hipótese era que a ausência de uma concorrência vigorosa desestimulasse investimentos no gerenciamento das operações por razões de custo. Essa suspeita se baseava em relatório da Federal Aviation Administration (FAA) de 2014, que apontava, para o mercado norte-americano, a ausência de concorrência em muitas rotas como um dos fatores responsáveis pelo aumento das taxas de atrasos em voo, e em outros estudos semelhantes.
Os pesquisadores do Nectar, William Bendinelli e Humberto Bettini, sob a coordenação de Alessandro Oliveira, procuraram saber se a concorrência entre um número grande de companhias aéreas reduzia os atrasos e, no sentido inverso, se um mercado concentrado desestimulava a pontualidade. Indagaram, também, se, num ambiente de forte concorrência em preço, as companhias adotariam prática de corte de custo com pessoal e com o gerenciamento das operações e, ainda, se a prática de operações “hub-and-spoke” – conexões de voo em poucos aeroportos de uma malha aérea – produziria mais atrasos.
Analisados com base em modelo econométrico, os resultados indicaram que a concorrência é de fato benéfica na redução dos atrasos. “Quando uma empresa novata de baixo custo inicia operações, há um maior esforço da concorrência em melhor gerenciar as operações e evitar atrasos”, afirma Alessandro. “Já observávamos que quando uma rota é operada por um número maior de companhias aéreas, menor é probabilidade de os voos saírem atrasados, evidenciando o interesse das companhias aéreas em fidelizar passageiros. A concorrência extra proporcionada pelas novatas de baixo custo, além do benefício da redução de preços, traz uma vantagem adicional, já que gera pressão pelo maior controle de qualidade, com monitoramento mais estreito dos indicadores de atrasos de voo por parte das demais operadoras”, afirma Alessandro.
Por outro lado, quando várias companhias dividem equanimente o movimento do aeroporto, pode ocorrer e fenômeno conhecido como “tragédia dos comuns”: os atrasos acabam não sendo creditados a nenhuma das empresas. “A tendência é que os passageiros o percebam como sendo um problema geral do aeroporto ou do controle de tráfego aéreo, ou ainda um problema coletivo, e não como um problema de uma companhia aérea específica”, sublinha Oliveira. “Esse fenômeno é conhecido em teoria econômica e, no caso do transporte aéreo, pode acontecer quando o aeroporto é muito compartilhado, não estando fortemente ligado a nenhuma empresa aérea, e os problemas também tendem a não serem atrelados a ninguém. Em consequência, não há maiores incentivos resolvê-lo ou evita-lo.”
No entanto, um fenômeno contrário, denominado “internalização do congestionamento” ocorre quando uma ou poucas empresas dominam um aeroporto. Neste caso, a imagem dessas operadoras tende a estar intimamente relacionada ao aeroporto e a seus eventuais problemas. “Atrasos nos voos do aeroporto acabam por manchar a reputação das operadoras que dominam o tráfego local, havendo assim uma tendência natural de essas companhias empenharem esforços em sua redução. A gestão do risco de atrasos de voo tende, portanto, a ser mais eficaz em aeroportos naturalmente dominados por uma ou duas companhias aéreas”, afirma Alessandro. Como exemplo desse fenômeno, os pesquisadores citam o aeroporto de Congonhas que, em 2012, possuía forte dominância das empresas TAM e Gol, que controlavam aproximadamente 90% das suas frequências de voo e registravam em torno de 10% dos voos com atraso acima de 15 minutos. Já a empresa Avianca, que detinha menor fatia de mercado, 5% das frequências daquele aeroporto, registrava 20% mais de voos atrasados.
Outro resultado da pesquisa diz respeito à prática de configuração de malha “hub-and-spoke” por parte das companhias aéreas. Os resultados do modelo empírico evidenciaram que voos com origem ou destino em aeroportos com muitas conexões tendem a atrasar mais do que voos entre aeroportos com poucas conexões. É sabido que a complexidade das operações da companhia aérea aumenta enormemente quando a proporção de passageiros em conexão nos terminais é incrementada. Para viabilizar mais conexões, as companhias aéreas necessitam tornar suas malhas mais estreitamente conectadas, minimizando tempos de espera do passageiro em terminal. As malhas, assim, tendem a ficar mais vulneráveis a problemas inesperados, como incidentes nas operações, que podem causar atrasos nos embarques de passageiros em trânsito e, por isso, tendem a produzir atrasos em cascata.
A principal contribuição da pesquisa à literatura internacional diz respeito ao estudo do impacto sobre os atrasos da entrada de companhias low cost no Brasil. Esse modelo de negócios é muito comum no exterior, sobretudo na Europa, Ásia e Estados Unidos. No Brasil, Gol e Azul são os maiores representantes. “Atualmente, pode-se dizer que nenhuma empresa é puramente low cost e nenhuma concorrente se dá ao luxo de operar sem pelo menos algumas características low cost”, analisa Alessandro. Adicionalmente, a convergência de modelos de negócio tende a fazer com que os preços das passagens sejam muito parecidos entre as empresas.
A pesquisa do Nectar destaca o período inicial de instauração das principais companhias low cost brasileiras, em especial os seus três primeiros anos, quando as diferenças entre os modelos de negócios são mais nítidas. As principais constatações do estudo permitem indicar que a presença de uma rival low cost, ao induzir uma concorrência de preços mais vigorosa, acentua o processo de “internalização do congestionamento”: queda dos atrasos registrados no aeroporto como um todo (em função da busca de um fortalecimento da imagem global da empresa), gerando um benefício que “transborda” para outras rotas não entradas (efeito spillover).
O Núcleo de Economia dos Transportes do ITA dedica-se à pesquisa aplicada sobre a economia do setor aéreo, por meio do uso intensivo de estatísticas setoriais e modelagem econométrica. Os estudos envolvem demanda, concorrência e relação entre operação de transportes e infraestrutura. Anualmente, o Nectar realiza Simpósios de Economia dos Transportes, com o objetivo de promover a geração e difusão do conhecimento na área de economia e gestão dos transportes.
O estudo sobre atrasos de voo, internalização do congestionamento e impacto das empresas de baixo custo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e das agências federais, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).