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Complexo Hidrelétrico de Tapajós: custos e riscos do investimento

Tapajos - Foto de Wilson Cabral Junior

O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em parceria com o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), publicaram o e-book Tapajós: Hidrelétricas, infraestrutura e caos – Elementos para a governança da sustentabilidade em uma região singular, disponível no link www.bibl.ita.br/download/Tapajos_Ebook.pdf.

Distribuído sob licença Creative Commons 3.0 – que permite aos usuários download, impressão e cópia, desde que com referência aos autores –, o livro é organizado por Wilson Cabral de Sousa Júnior, do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Divisão de Engenharia Civil do ITA. 

No livro, 20 especialistas analisam o projeto de expansão hidrelétrica na bacia do Rio Tapajós, no Pará, buscando avaliar as necessidades reais de expansão da geração de energia elétrica e estimar os custos e benefícios dos projetos de geração de energia, incluindo as variáveis socioambientais. Entre esses especialistas, 10 são professores, alunos e ex-alunos do ITA e os demais integram o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), Universidade Federal do Oeste do Paraná (Ufopa) e Associação Terra Laranjeiras (ATLA).

As análises têm como foco a construção de duas usinas no Rio Tapajós, que integram o Complexo Hidrelétrico de Tapajós, e que incluem outras três no Rio Jamanxim, num total de geração de energia de 10.682 MW até 2020. Os estudos também levam em conta a sobreposição de outros projetos de infraestrutura na bacia do Tapajós, como a construção de redes de transmissão, de estradas e de hidrovias, além da exploração mineral, que contribuem para aumentar a “pressão sobre o ambiente regional”.

Na Parte I, com dois capítulos, o livro descreve o contexto fisiográfico, ambiental, social, econômico e cultural da região formada por nove municípios com um total de 567 mil habitantes distribuídos em uma área predominantemente de floresta preservada, com 14 unidades de conservação.  O extrativismo, o garimpo – a bacia abriga uma das maiores áreas de mineração de ouro do mundo – e a cultura de grãos são base da renda da população que, nos últimos anos, cresce com a migração. Conclui que projetos hidrelétricos e obras de infraestrutura poderão gerar pressão sobre a terra e colocar em risco a cultura dos povos indígenas. Aliás, por pressão dos índios Munduruku, que terão parte de seu território alagado, e atraso na demarcação de terras que lhe garantiria o direito à consulta e compensação, o leilão da primeira usina, a de São Luiz do Tapajós, com potência instalada de 8.476 MW, agendado para dezembro de 2014, teve que ser adiado.

A parte II avalia as projeções de demanda dos Planos Decenais de Energia (PDE) e o Plano Nacional de Energia (PNE), para 10 e 30 anos, respectivamente, elaboradas com base no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Este cálculo, no entanto, “utiliza a elasticidade-renda da demanda  como fator determinante e associa a expansão da demanda de energia ao crescimento do PIB em uma razão unitária”, escrevem os autores. “Assim, previsões de redução da razão de elasticidade-renda da demanda para valores menores que 1, como apontado no Plano Decenal 2020, acabam menosprezadas nas projeções de expansão do consumo”.

Entre 2000 e 2005, esse superdimensionamento foi responsável por uma diferença entre o consumo real e o estimado da ordem de 10% para o setor industrial, de 20% para o comercial e de até 30% para o residencial. “Uma ampla revisão da metodologia utilizada para as projeções de demanda de energia elétrica poderia apontar para uma redução na necessidade de expansão do sistema e, consequentemente, da revisão dos investimentos em projetos de grande porte na Amazônia.”

Concluem que o Brasil “projeta uma demanda excessiva de energia”, e que os planos também não levam em conta, por exemplo, o aumento da eficiência energética, a inserção de novas fontes, especialmente a energia solar fotovoltaica ou de origem eólica, que têm seu potencial subestimado.

Os autores propõem uma matriz energética alternativa para o mesmo horizonte temporal do PDE. A “nova matriz” – que aponta para uma potência instalada de 162 GW em 2022– pressupõe a expansão de fontes eólica e solar, a manutenção dos projetos hidrelétricos já contratados – e o arquivamento de novos projetos, entre eles o do Complexo Hidrelétrico do Tapajós –, a desativação de plantas que utilizem carvão e óleo combustível, a redução do uso de fontes nucleares e a ampliação do uso da biomassa. O capítulo detalha o potencial de geração eólica, investimentos e preços de projetos contratados; as perspectivas de economia com o uso de energia solar fotovoltaica e da biomassa, entre outras.

Os autores detalham, ainda, os aspectos técnicos de cada um dos empreendimentos do Complexo Hidrelétrico do Tapajós e dos empreendimentos associados, identificam o seu impacto social e ambiental, e avaliam o conceito de usina-plataforma, adotado pela Eletrobrás para tornar esses empreendimentos “sustentáveis”, para, em seguida, na Parte III, discutir a viabilidade econômica e ambiental do projeto.

O custo global estimado para a implantação do Complexo Hidrelétrico de Tapajós é de US$ 19,8 bilhões, e os custos de operação e manutenção, ao longo da vida útil das usinas, de U$ 62 milhões ao ano, de acordo com a Eletronorte. “Os custos do sistema de transmissão, os quais deveriam compor uma análise compreensiva do empreendimento, não foram inseridos neste estudo”, advertem os autores.

Com base nos dados disponíveis, eles estimam outros custos importantes na caracterização global do empreendimento: perdas na atividade pesqueira, na qualidade da água, no turismo, custos de emissão de CO2 e metano, dentre outros. Elaboraram então dois cenários: no primeiro, foram considerados os benefícios e custos para o empreendedor, acrescentadas as externalidades socioambientais; e, no segundo, também as possíveis extrapolações de prazo e custo da obra.  “Para a ótica do empreendedor”, concluíram,  o prejuízo seria de US$ 1,6 bilhão; se considerados atrasos e extrapolação de custos, o prejuízo pode chegar a US$ 10 bilhões.  “Os custos socioambientais analisados, restritos à implantação das hidrelétricas, atingiriam cerca de US$ 400 milhões, com predomínio dos valores associados a emissões de carbono e aos custos de oportunidade do uso da terra”. A se confirmarem esses dados, o projeto seria economicamente “inviável”. Os autores ressaltam que os custos socioambientais, por carência de dados e metodologias de valoração, foram subestimados.

Como alternativa à análise de custo benefício tradicional, desenvolveram uma avaliação de custos e benefícios eMergéticos – metodologia que utiliza valoração baseada na ecologia de sistemas –, que também indicou a inviabilidade do projeto. “A análise do custo-benefício em termos eMergéticos apontou para um importante fato: a energia renovável do potencial químico do rio associado à energia renovável da produção primária da vegetação natural a ser submergida pelos reservatórios, é superior à geração de energia hidrelétrica em todos os empreendimentos do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.”

Na Parte IV, os autores avaliaram o perfil do desmatamento com base em projeções de aumento populacional com a implantação de hidrelétricas no Tapajós. Supondo que, até 2032, a região atrairia 63 mil imigrantes, o risco de desmatamento aumentaria 8,3% em relação ao cenário sem os empreendimentos. E o desmatamento adicional elevaria em 5% as emissões de gases de efeito estufa.

“Ressalta-se, portanto, a importância de se estabelecer um debate aberto sobre a construção, ou não, do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, balizado por informação de boa qualidade e amplamente divulgada. Esse debate envolve, necessariamente, a busca por eficiência energética, a geração de energia com menores impactos ambientais e o consumo sustentável, como premissa para decisões de uma sociedade que preza, ou deveria prezar, pela sustentabilidade de seu modo de vida”, concluem os autores.