O Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, está desenvolvendo em conjunto com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), subsidiária da Eletrobrás, um sistema de veículo não tripulado (VANT), com autonomia de três horas de voo, para inspecionar 20 mil km de linhas de transmissão de energia elétrica, além de torres, isoladores, entre outros componentes.
Esse monitoramento é atualmente realizado pela CHESF com o auxílio de helicópteros tripulados, com alto custo e risco. “O grande desafio do projeto é desenvolver um sistema automatizado eficiente, de baixos custo e risco de operação”, diz Geraldo Adabo, da Divisão de Engenharia Eletrônica e coordenador do projeto no ITA.
O investimento em P&D, da ordem de R$ 6 milhões, integra o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento do setor elétrico, autorizado e regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que exige metas e resultados bem definidos.
O projeto implementado pelo ITA prevê a construção do VANT – propulsão, fuselagem, superfície aerodinâmica, sistema de controle de voo, entre outros –, e o desenvolvimento de soluções em aviônica e sistemas de comunicação, câmeras para a captação de imagens e estação terrestre de controle.
Na primeira fase do projeto, o ITA concentrou esforços em soluções baseadas em aeronaves de asa fixa (avião), com capacidade para execução de missões de inspeção aérea de longo alcance, elevada autonomia e baixo custo por quilômetro inspecionado. “O desafio foi desenhar uma aeronave que associasse desempenho e baixa velocidade de stall, proporcionasse boa qualidade da imagem a ser capturada e que também atendesse a requisitos ambientais como, por exemplo, as variações na velocidade do vento, considerando a extensão da área a ser inspecionada”, afirmou Adabo. O sistema de transmissão da CHESF interliga os estados do Nordeste e une a região aos sistemas das regiões Norte, Sudeste e Centro-Oeste.
Essa equação velocidade da aeronave, qualidade de imagem e condições ambientais foi solucionada com o desenvolvimento do protótipo de um VANT de 25 kg, com sustentação aumentada – a envergadura é de quatro metros –, projetado para operar a uma velocidade típica de 50 km por hora. A aeronave é desmontável e pode ser transportada em um veículo pequeno como, por exemplo, uma van adaptada para esta finalidade. A patente do design do VANT foi depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Chesf e pelo ITA.
A equipe do ITA também desenvolveu um segundo protótipo de VANT, com 50 kg. “A aeronave mais pesada tem requisitos um pouco mais severos no que se refere à segurança, mas é mais adequada a situações com maior incidência de ventos e mau tempo e convive melhor com relevos que requerem elevadas razões de subida”, explica Adabo. A mais leve, de 25 kg, tem mais facilidade de transporte e é, operacionalmente, mais simples de manejar.
Um terceiro tipo de aeronaves, de asas rotativas, foi desenvolvido pelo Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), parceiro no empreendimento, para a função de inspeção local minuciosa. Vários tipos de soluções foram avaliados experimentalmente, concluindo-se pela melhor adequação da solução denominada multicóptero, cujo desenvolvimento ficará sob responsabilidade do ITA na próxima fase do projeto.
O VANT decola com um plano de voo pré-determinado, que pode ser alterado desde a estação de controle de forma a garantir a segurança e o sucesso da missão. Embora o avião seja capaz de voar de forma autônoma, o conceito de VANT obedece ao requisito de monitoramento por piloto humano. “Desenvolvemos uma solução que permite controlar do solo, com o auxílio de um joystick, o apontamento da câmara, o zoom e um sobrevoo em trajetória circular”, explica Adabo.
A equipe também investiga o uso de tecnologia de termografia, por meio de infravermelho, para identificar deterioração nos pontos de união dos cabos. “As linhas de transmissão são longas. Nos pontos de emenda, há o risco de aumento da resistência elétrica. A elevação da temperatura pode resultar em falha, sendo necessária a recuperação da condutividade plena do cabo”, explica. Identificado o problema, as equipes de manutenção da CHESF são acionadas para o conserto e restabelecimento adequado da transmissão, assim como dos componentes elétricos das torres, como por exemplo, os isoladores.
Na segunda fase do projeto, a equipe prevê substituir o controle do apontamento de câmera, realizado pelo operador na estação, por um processador embarcado e um programa que controle o seu direcionamento, utilizando a própria imagem para ajustar o posicionamento. Esse desenvolvimento será feito pelo C.E.S.A.R. com colaboração da equipe do ITA.
Em sua configuração atual, os VANTs sobrevoam as linhas a uma distância segura, entre 30 e 50 metros, que permite, ao mesmo tempo, capturar e transmitir imagens visíveis com qualidade apropriada e na faixa de infravermelho.
A intercomunicação entre a aeronave e a estação em solo é feita por meio de sistema de link de dados e de vídeo. Esse sistema permite o envio de comandos ao VANT a partir de uma Estação Móvel de Controle em Solo (EMCS) e, no sentido inverso, a recepção de informações emitidas pela aeronave.
A transmissão de imagens ao vivo a longas distâncias exige banda larga de frequência, sendo comumente implementada por meio de um canal de satélite, com alto custo recorrente. “Na configuração atual, a imagem completa capturada pelas câmeras são armazenadas a bordo e simultaneamente transmitidas ao vivo até a Estação de Controle Móvel, usando-se para esse enlace de comunicação uma estação repetidora”, ele diz. O inspetor pode acompanhar o voo e, quando achar necessário, pedir detalhamento em tempo real.
A distância entre as linhas e o solo foi outro desafio a ser superado, ainda na primeira fase do projeto: voando baixo, o avião corria o risco de perder o sinal de comunicação já que a topografia do terreno poderia obstruir o sinal de transmissão do VANT para a estação de controle no solo. “A grande dificuldade é a comunicação a partir de 2 ou 3 km além da visada”, explica Adabo.
A solução para entregar uma solução de comunicação de longo alcance foi utilizar um balão conectado à estação de controle, flutuando a uma distância de 150 metros do solo e que, utilizando Protocolo de Internet (IP), opera como um retransmissor de comunicação. O balão amplia a visada e permite ao VANT operar com uma cobertura de mais de 40 km de raio. “Utilizar o balão para fazer a retransmissão foi uma alternativa inovadora neste contexto tecnológico”, diz Adabo.
O ITA também depositou no INPI a patente do modelo de utilidade que integra a estação de solo, o balão transmissor e o avião. “A solução de multiplataforma integrada é um modelo interessante”, observa Adabo.
Para garantir a confiabilidade da operação foi desenvolvida uma metodologia de análise de enlace de comunicação entre o VANT e a estação de controle em solo utilizando especificações fixas ou variáveis, definidas por meio de parâmetros como altitude voo, potência de saída do transmissor, localização da estação de controle em solo e altitude do balão. Parâmetros como potência de transmissão, sensibilidade do receptor e as informações sobre do terreno também exercem grande influência no desempenho dos enlaces.
A segunda fase do projeto prevê a certificação dos protótipos para voo experimental, já iniciada, e para a operação comercial/corporativa em sequência. “Embora não tenha tripulação, trata-se de um avião e o uso do espaço aéreo envolve requisitos de segurança”, justifica Adabo. O processo para obtenção da Permissão Especial de Voo (PEV) já foi iniciado e a autorização será emitida pelo Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), responsável pela emissão de certificados para voos militares. “Com a autorização do voo experimental será possível contratar o seguro junto a companhias estabelecidas no mercado”, ele adianta. Concluída a fase experimental, o processo de certificação do sistema para uso comercial/corporativo será realizado junto à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).
O desenvolvimento de dois protótipos, em fase de teste, envolveu duas divisões de Engenharia do ITA - a Aeronáutica e a Eletrônica – e contou também com a participação da Divisão de Engenharia Mecânica.
Também nesta segunda fase do projeto, a equipe do C.E.S.A.R, em conjunto com o ITA, procurará aprimorar a identificação de defeitos e incorreções da linha no pós-processamento automático das imagens, criando padrões que permitam apontar possíveis defeitos e encaminhar mais rapidamente sua solução. “O sistema gerará relatórios e fotos que serão analisadas pelo inspetor em solo. Trata-se de uma aplicação inovadora. Cada um desses padrões exige um desenvolvimento que tem como base a teoria de processamento de imagem”, afirma Adabo.
Os VANTs, desenvolvidos para inspecionar linhas de transmissão de alta e ultra alta tensão, entre 500 kV e 750 kV, poderão beneficiar empresas responsáveis pela distribuição de energia elétrica por meio de mais de 95 mil quilômetros de linhas de transmissão com tensão maior ou igual a 230 kV, nas quais se registram perdas técnicas de cerca de 8%, segundo balanço da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) em 2012.
“A inspeção aérea das linhas de transmissão permite detectar defeitos e anomalias que prejudicam o desempenho das linhas de transmissão e é fundamental para a confiabilidade do sistema”, sublinha Adabo.
O uso dessa tecnologia também poderá beneficiar outros setores da indústria. “Além das demais empresas do setor elétrico, outras empresas nacionais são potenciais usuárias dessa tecnologia, como por exemplo, as áreas de óleo e gás, de mineração e de Defesa. Considerando a característica dual desse projeto, o VANT pode, por exemplo, ser útil na vigilância de fronteiras ”, ele prevê.
Desde a primeira fase do projeto, o ITA vem interagindo com pequenas empresas prestadoras de serviços. “Queremos incentivar e envolver startups nesse processo. Um projeto como esse tem uma enorme possibilidade de alcance nacional”.