O Grupo de Materiais Semicondutores e Nanotecnologia (GMSN), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, desenvolveu um método que pode ajudar a solucionar um dos desafios da física do estado sólido – o gap de energia e impactar positivamente os custos de pesquisa com materiais semicondutores.
Sólidos são constituídos de átomos que interagem entre si. Em átomos isolados os elétrons são encontrados em estados definidos, separados por quantas discretos de energia. Num conjunto de N átomos, cada um deles com seus níveis discretos de energia e dispostos de maneira a formar um material - também denominado de cristal -, os elétrons, originalmente ligados ao potencial atrativo do núcleo, começam a interagir com potenciais de energia de outros núcleos e os níveis discretos dos elétrons de valência se tornam bandas de níveis energia.
O desafio é compreender como os elétrons estão distribuídos nestes níveis de energia. Já se sabe que, à temperatura de 0K num cristal, os elétrons preenchem os níveis de energia iniciando pelo mais baixo, de acordo com o Princípio de Exclusão de Pauli. Num isolante e num semicondutor, existe um gap de energia entre os estados eletrônicos ocupados de maior energia e o de menor energia desocupado. A diferença entre o isolante e o semicondutor corresponde exatamente à magnitude do gap de energia. Num semicondutor típico, com o é o caso do silício, por exemplo, o gap de energia é de 1.1 eV, enquanto num isolante os gaps são da ordem de 5-10 eV.
O gap é considerado um parâmetro fundamental já que este determina a energia de absorção ou emissão do sistema. A emissão no azul na tecnologia blu-ray, por exemplo, ou a excelente absorção da radiação por células solares de alto desempenho, só são conseguidos pois estes dispositivos têm semicondutores com gaps de energia adequados para cada função especifica.
O desafio está, então, em calcular o gap de energia e, consequentemente, as propriedades derivadas de estados excitados, por meio de um método livre de parâmetros, de fácil implementação e de baixo custo computacional.
Não se trata de um cálculo “simples”, sublinha Lara Kühl Teles, da Divisão de Ciências Fundamentais do ITA, que integra o GMSN. Afinal, materiais descritos pela Física do Estado Sólido são formados por 1023 átomos que são regidos pelas Leis da Mecânica Quântica (MQ).
Walter Kohn mostrou, em 1964, que a energia total de um sistema descrito pelas Leis da MQ poderia ser calculada, teoricamente, se a distribuição espacial dos elétrons (densidade eletrônica) fosse conhecida. Nascia então a chamada Teoria do Funcional da Densidade (DFT – Density Functional Theory), o que lhe valeu o Prêmio Nobel em 1998.
A DFT é atualmente a metodologia mais utilizada para estudo de estrutura eletrônica de materiais. Porém, como é bem sabido na literatura, a DFT subestima o gap de energia em semicondutores. O valor subestimado varia, dependendo do material, podendo este chegar a 30% do valor experimental, como é o caso, por exemplo, do óxido de zinco. “Errava-se muito”, ela sublinha.
Alguns métodos foram desenvolvidos a fim superar esse problema. Entre eles, destaca-se como exemplos mais significativos, os métodos GW, qual vai além da DFT e que, em vez de elétrons, resolve um problema de "quasi-eletrons", o LDA+U e funcionais híbridos. As desvantagens destes métodos estão no fato de eles serem complexos e dispendiosos computacionalmente, ou então simples, mas não livres de parâmetros.
Para os métodos mais confiáveis, que são muito custosos computacionalmente, o cálculo eletrônico fica restrito a sistemas de baixa complexidade como compostos simples bulk ou sistemas com um baixo número de átomos por célula primitiva, o que inviabiliza a obtenção de estruturas eletrônicas mais precisas em sistemas mais complexos como ligas, interfaces e nanoestruturas, por exemplo.
O grupo do ITA, formado pelos professores Lara K. Teles, Marcelo Marques e Ronaldo R. Pelá, buscou, então, desenvolver um método efetivo, confiável e livre de parâmetros ajustáveis. Em parceria com o Prof. Dr. Luiz Guimarães Ferreira, engenheiro eletrônico formado pelo ITA (1959) e atualmente professor aposentado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os pesquisadores do ITA partiram de uma ideia “simples”, muito utilizada na década de 1970: o método de transição de Slater, criado pelo físico norte-americano John C. Slater, que propunha a remoção de ½ elétron para calcular o potencial de ionização de átomos. “Ferreira conhecia bem esse método, mas o problema era: como fazer para utilizá-lo também em sólidos? A ideia veio dele, eu e o Prof. Marcelo ajudamos na implementação”, conta Lara K. Teles.
O grupo solucionou o problema utilizando um programa atômico para obter a diferença entre o potencial do átomo com todos os elétrons e o potencial de um íon do qual se extraiu meio elétron e, com isso, obteve o potencial de auto-energia, incluindo esse potencial de forma perturbativa na DFT, para desenvolver o método denominado LDA-1/2. “Conseguimos obter valores surpreendentemente bons para uma gama de semicondutores e isolantes, com a mesma precisão do GW, estado da arte neste tipo de cálculo, mas com a vantagem de levar segundos ou minutos para fazer o cálculo e sem parâmetro ajustável!”.
O método LDA-1/2 foi publicado em 2008, na Physical Review B. “Inicialmente, a comunidade científica ficou refratária à nossa proposta”. Em 2011, com o auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o GMSN recebeu o pesquisador Jürgen Furthmüller da Universidade de Jena, na Alemanha, que começou a usar o método deste então. Neste mesmo ano, a Profa. Lara foi convidada para dar uma palestra sobre o método num Encontro na Argentina e, mais recentemente, em 2013, no Brazilian Workshop on Physics of Semiconductors no Brasil. “Atualmente, diversos grupos têm utilizado o nosso método para simular e obter propriedades de materiais”, acrescenta Lara.
Mais recentemente o líder do grupo de Jena, Prof. Friedhelm Bechstedt, que havia utilizado do LDA - ½ com sucesso no estudo de diversos sistemas, firmou uma parceria com o ITA para pesquisas em sistemas bidimensionais similares ao grafeno, com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O GMSN pretende com essa colaboração trabalhar em outros desafios como, por exemplo, o de utilizar o método desenvolvido em nanoestruturas. “Também estamos trabalhando na correlação entre o LDA-1/2 e os demais métodos, isso ajudará a entendermos melhor a física que está por trás destes cálculos. Este trabalho deverá ser desenvolvido também em parceria com grupo alemão de pesquisa”.