O Ministério das Minas e Energia, por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), está elaborando o Plano Nacional de Energia 2050 para atender as necessidades do país que terá, então, 226 milhões de habitantes e um consumo de energia próximo a 1.914.912 GWh, de acordo com as projeções daquela instituição.
A imprevisibilidade climática, pressões ambientais e exigências de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), associadas às expectativas de crescimento nas próximas décadas, exigem, no entanto que o Brasil reavalie a matriz elétrica atual – hoje fortemente centrada na geração hidrelétrica –, e opte por alternativas sustentáveis, novas tecnologias e eficiência energética que garanta uma oferta sustentável de energia.
Trata-se de uma tarefa de Estado para a qual sociedade deve contribuir com subsídios que permitam a construção de uma política energética competitiva, orientada para atender os desafios de desenvolvimento do país. E esta é a missão da Plataforma de Cenários Energéticos (PCE), uma iniciativa da Fundação Avina em parceria com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Associação Nacional de Consumidores de Energia (ANACE), União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Associação da Indústria de Cogeração de Energia (GOGEN), Observatóro do Clima e WWF Brasil.
A PCE utiliza uma metodologia de construção de planos de longo prazo, aplicada com sucesso no Chile e na Argentina. No Brasil, participaram do empreendimento quatro equipes de cenaristas, responsáveis pela elaboração de diferentes propostas de matriz energética: o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ), Greenpeace, Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina com apoio da Associação Brasileira do Carvão Mineral (SATC), e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
“Mais do que subsidiar a PNE, o nosso objetivo é ampliar a discussão sobre geração e consumo de energia no país, de forma a romper paradigmas para o planejamento do setor elétrico, inserindo perspectivas de sustentabilidade”, diz Wilson Cabral de Sousa Júnior, do Departamento de Recursos Hídricos da Divisão de Engenharia Civil do ITA, um dos cenaristas da PCE.
Dentro de parâmetros estabelecidos pelos comitês executivos e técnicos da PCE (ver Cenários Energéticos), cada um dos quatro grupos de cenaristas entregou um plano energético para o horizonte de 2050, elegendo as mais adequadas entre as opções tecnológicas disponíveis, e projetando potência instalada e a estimativa de início de operação no decorrer do período.
Todos os cenários propõem mudanças significativas na matriz elétrica vigente, diversificam as tecnologias empregadas na formação da matriz e priorizam fontes renováveis, às quais atribuem capacidade instalada entre seis e 13 vezes da atual. Em três dos quatro cenários, a fonte hídrica é predominante, seguida da fonte eólica. O gás natural, a energia solar distribuída e a energia solar de geração centralizada também aparecem com destaque, ainda que distintos, em todos os cenários.
O cenário elaborado pelo ITA pautou-se pela valorização da tecnologia como alavanca da sustentabilidade, focando na eficiência energética, nos sistemas distribuídos e no aprimoramento da capacidade de gestão da demanda. “Hoje o despacho [controle da operação de geração e distribuição de eletricidade pelo Operador Nacional do Sistema] é basicamente uma decisão binária entre hidrelétricas e termelétricas, consideradas energia de base”, destaca Cabral. “No futuro, a geração hidrelétrica corre o risco de não ser tão robusta com a redução do volume de chuva, associada a cenários de mudanças climáticas. Vivemos, aliás, um período crítico em termos de reserva de água para geração de energia elétrica. As térmicas, por outro lado, são poluentes, e poderão ter restrição de operação”, ele argumenta. Na matriz futura, projetada pelo ITA, a inserção da energia solar fotovoltaica distribuída e da energia eólica – consideradas atualmente fontes intermitentes – desafiarão esse sistema de despacho, exigindo uma gestão “mais inteligente” da demanda. “Com investimento em tecnologia, o despacho otimizado pode ser um fator importante para o uso eficiente das diversas fontes.”
Além do ITA, os cenários da COPPE e SATC também incluem, em diferentes proporções e combinações, usinas fornecedoras de energia “em caráter mais firme” – térmicas a gás natural, nucleares e carvão – associadas a fontes renováveis intermitentes. O cenário de eficiência energética projetado pelo ITA prevê a desativação das usinas movidas a carvão e a óleo a partir de 2012. “A fonte nuclear é considerada de risco, tanto em relação aos resíduos gerados, como pela possibilidade de acidentes de graves proporções. Assim, o cenário propõe a manutenção da geração em patamares mínimos, de forma a que capacidade instalada atue como uma forma de energia de reserva”, argumentam os cenaristas do ITA. A energia nuclear não se destaca nos demais cenários e, na visão do Greenpeace, as usinas Angra 1, 2 e 3 deveriam ser descomissionadas entre 2025 e 2040.
Para os cenaristas do ITA, o gás natural é um elemento de segurança na transição para uma matriz elétrica mais sustentável e os investimentos em novas plantas diminui gradativamente em médio prazo, dando lugar às novas fontes renováveis. “Embora melhor que o óleo combustível, o gás natural implica em emissões de gases de efeito estufa”, ele justifica.
No cenário do ITA, destaca-se o aumento da eficiência na distribuição e consumo de eletricidade, junto com a adoção de mecanismos – estruturais e econômicos – de redução de consumo da ponta –, e, sobretudo, a ampliação da oferta por meio de energia eólica, solar e de biomassa. “As modelagens climáticas mais robustas preveem uma queda da precipitação e aumento de temperatura, sem alterações significativas nos padrões de ventos, e os modais eólicos e solar tendem a ser mais resilientes neste contexto”, argumenta Cabral.
Concluído em 2014, o PCE já está mudando o discurso governamental, afirma Cabral. “Tem havido um forte movimento em direção à energia solar distribuída e isso pode fazer com que o Plano Nacional de Energia 2050 reflita parte do que está sendo proposto, especialmente nos cenários do ITA e do Greenpeace”, ele sublinha, lembrando que o governo realizará, em agosto, leilão de energia solar fotovoltaica para fornecimento em 2017.
Ele também supõe que o destaque conferido à energia solar distribuída no conjunto dos cenários da PCE possa ter contribuído para que o governo adotasse, em maio deste ano, medidas de simplificação nas regras para a geração de energia em casas e prédios, de mudanças na tributação da energia produzida e fomentasse o investimento industrial no setor. Por meio de convênio entre o Conselho Nacional de Politica Fazendária, consumidores dos estados de São Paulo, Goiás e Pernambuco não pagarão o tributo estadual (ICMS) sobre a energia gerada, mas apenas sobre o excedente consumido da rede distribuidora. O convênio deverá ser estendido aos demais estados e deverá incluir também impostos federais (PIS e o Cofins). A expectativa é que, até 2024, cerca de 700 mil consumidores residenciais e comerciais produzam algo em torno de 2 GW de potência instalada dessa modalidade de energia, vendendo o excedente para as distribuidoras. “A primeira rodada do PCE está se consolidando”, afirma Cabral.