A parceria entre instituições de ensino superior e empresas, quando voltada ao desenvolvimento de projetos inovadores, tem se revelado uma experiência valiosa para os estudantes. Diferentemente de um projeto didático, em que o aluno participa de todas as etapas, os projetos “reais”, geralmente de maior porte, trazem para dentro da escola a estrutura e a dinâmica do mercado de trabalho.
“Nos projetos grandes, cada membro da equipe dá uma parcela de contribuição para o resultado final. É preciso trabalhar as interfaces, aplicar engenharia de sistemas, realizar revisões de projeto até a integração e os ensaios”, explica o professor Geraldo Adabo, coordenador do Projeto do Sistema Vant (Veículo Aéreo Não Tripulado) do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) voltado para o Setor Elétrico. “O projeto tem que cumprir com os requisitos do usuário/cliente, regulamentação específica e outras demandas técnicas que abrem muitas possibilidades e requerem uma diversidade de perfis profissionais. Além disso, é preciso que a solução encontrada seja viável comercialmente no contexto econômico nacional”.
Um exemplo dessa interação vem sendo vivenciado desde 2010, no ITA, com o desenvolvimento de um sistema de aeronaves não tripuladas para inspeção de linhas de transmissão. O objetivo é prover uma solução de robótica aérea que apresente redução de custos e riscos operacionais.
Através de um Acordo de Parceria do ITA com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), a Fundação Casimiro Montenegro Filho (FCMF) e o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R.), o Projeto de P&D Aneel intitulado “Aeronave Não Tripulada Autônoma para Inspeção de Linhas de Transmissão” foi concluído. Cumpriu-se até então a Etapa de Desenvolvimento Experimental (protótipo de desenvolvimento).
Atualmente, o ITA está se preparando para a próxima fase do projeto, denominada Cabeça de Série, que corresponde aos testes operacionais para melhoria do sistema e à pré-industrialização do produto, incluindo a busca de parceiros industriais para viabilizar a inserção do sistema no mercado.
Recentemente, foi iniciado o processo de certificação do sistema para voo experimental, através da colaboração do Instituto de Fomento e Coordenação Industrial (IFI), área de Certificação de Produto Aeronáutico (CPA). Ao final desse processo, será concedida a Permissão Especial de Voo – PEV – para viabilizar as operações previstas para a próxima fase do projeto.
“O mundo da aviação nos próximos anos vai estar muito voltado para os veículos não tripulados. Se nós pudermos, junto com a Chesf, criar uma indústria brasileira que produza veículos não tripulados e domine a tecnologia, para nós será o maior sucesso que poderemos ter, depois da criação da Embraer”, afirma o Prof. Carlos Américo Pacheco (T79), reitor do ITA.
Segurança e redução de custos
O sistema proposto pelo ITA prevê dois tipos de Vants com asa fixa (avião), de 25 kg e 50 kg. As aeronaves possuem elevada autonomia para realizar inspeções em longos trechos de linha de transmissão. Além destas, o sistema possui aeronaves de asa rotativa de pequeno porte (multi-rotores) com o propósito de obter detalhes dos elementos das linhas, pois realiza manobras em baixa velocidade e próximas às linhas. As aeronaves utilizadas possuem características complementares, tornando o sistema capaz de fazer a inspeção completa.
O Brasil possui 100 mil quilômetros de linhas de transmissão, sendo que a Chesf é responsável por cerca de 20 mil quilômetros, que atendem a 47 milhões de unidades, o que corresponde a 22% do mercado consumidor de energia elétrica no país. A faixa de servidão dessa longa extensão é de responsabilidade das concessionárias. “Uma vegetação muito alta ou atos de vandalismo podem afetar a disponibilidade do serviço de fornecimento de energia elétrica. Por isso a necessidade de monitoramento constante”, justifica o professor Adabo.
O processo convencional de inspeção de linhas de transmissão é realizado por meio de helicópteros tripulados, de onde inspetores fotografam os pontos de interesse para analisar as imagens posteriormente. Entretanto, características geográficas, condições climáticas e a baixa altitude necessária para o monitoramento podem tornar o trabalho perigoso. As aeronaves projetadas pelo ITA possuem capacidade para voar a uma altura de 40 metros de distância das linhas de transmissão e enviar imagens detalhadas em tempo real.
Além de ter um custo reduzido em relação ao sistema convencional, o uso do Vant não apresenta riscos para o operador, já que seu controle é feito a partir de uma EMCS (Estação Móvel de Controle em Solo). O Vant é equipado com piloto automático e câmeras especiais, que também são operadas remotamente e permitem a visualização dos possíveis obstáculos nas linhas. Piloto e inspetor de linhas de transmissão recebem e analisam as imagens obtidas através das câmeras. Para isso, o Vant possui também um sistema de comunicação de dados de telemetria e telecomando, e comunicação de vídeo. O plano de voo é pré-estabelecido e leva em consideração as coordenadas geográficas das torres e o relevo do terreno.
Os Vants podem operar ainda na vistoria de usinas de geração de energia e parques eólicos. “Os aviões-robôs podem atuar com eficiência na captura de dados em projetos e ações para a modernização do sistema elétrico brasileiro”, afirma o professor Adabo.
Por Ana Paula Soares e Emeline Domingues