Em 1981, o Comando da Aeronáutica (COMAER) deu início ao Programa AM-X com o objetivo de equipar a Força Aérea Brasileira (FAB) com caças bombardeiro subsônico de ataque ao solo. O Programa foi concebido também com a intenção de alavancar o desenvolvimento da indústria aeronáutica nacional – a Embraer tinha sido criada em 1969 – e, ao mesmo tempo, capacitar empresas brasileiras fornecedoras.
A encomenda foi feita à Embraer, em associação com as italianas Aeritalia (atual Alenia Aeronáutica) e a Aermacchi. Pelo acordo firmado entre os dois países, o Brasil ficou responsável por 30% do programa. A Embraer assumiu o desenvolvimento e fabricação das asas, das tomadas de ar do motor, dos estabilizadores horizontais, dos pilones subalares e de tanques de combustível. Participou, ainda, de todo o projeto dos sistemas de trens de pouso, de navegação e ataque, comando de voo e controle de armamentos. Por meio do Programa Industrial Complementar (PIC), o Ministério da Aeronáutica capacitou empresas brasileiras fornecedoras, como a Elebra, Tecnasa, Aeroeletrônica, EDE, Modata, ABC Dados, Pirelli e Engetrônica.
O AM-X foi apresentado oficialmente na Itália e no Brasil em 1985 e os primeiros dos 54 aviões encomendados pela FAB foram entregues em 1988. Antes mesmos de concluído o Programa, a capacitação adquirida durante o desenvolvimento do AM-X já tinha permitido que a Embraer iniciasse, em 1987, o desenvolvimento de seu primeiro avião a jato, o ERJ 145, para 50 passageiros.
O salto tecnológico da Embraer e os efeitos da capacitação de fornecedores pelo PIC são temas subjacentes da tese de doutorado de Josiane de Araújo Francelino, em desenvolvimento no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), sob a orientação da Profa. Dra. Ligia Maria Soto Urbina, do Centro de Gestão em Engenharia (CGE) do ITA, e do Prof. Dr. André Tosi Furtado, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). “O trabalho busca avaliar os impactos de programas de compra de aeronaves do COMAER sobre o nível de acumulação de capacidades tecnológicas de empresas pequenas e médias de um segmento específico do setor aeronáutico brasileiro”, resume Josiane.
A pesquisa, ela diz, se justifica pela de “escassez de trabalhos” que tratam de identificar os impactos de programas de elevado conteúdo tecnológico em nível da empresa. “Nosso objetivo é contribuir para o entendimento dos impactos da política de compras do COMAER sobre o setor produtivo aeronáutico nacional, a partir de uma modelagem que traga à superfície como as capacidades tecnológicas são construídas e desenvolvidas no nível da firma ao longo de sua trajetória de participação de uma série de programas de defesa”, explicou.
A pesquisa avança em três frentes. A primeira incluiu uma avaliação histórica do Programa AM-X, a partir de uma pesquisa de campo realizada na Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC), em Brasília, e da literatura disponível, a fim de resgatar os principais elementos que propiciaram sucesso ao programa do ponto de vista tecnológico. A hipótese é a de que o AM-X teria fornecido as bases para consolidar a capacidade tecnológica da Embraer, já que os contratos com as empresas italianas apoiaram a transferência de capacitação tecnológica em desenvolvimento conceitual de produto e fabricação, conforme mostrou o Prof. Dr. Arnoldo Souza Cabral (CGE-ITA), em sua pesquisa de doutorado, Análise do Desempenho Tecnológico da Indústria Aeronáutica Brasileira, sobre a evolução tecnológica da EMBRAER nos anos do AM-X, defendida em 1987.
Na segunda frente, a partir da literatura disponível e de entrevistas com especialistas do setor aeronáutico nacional e internacional, Josiane pretende construir uma Matriz de Acumulação de Capacidades Tecnológicas para um segmento específico do setor aeronáutico brasileiro, que contemple as principais funções tecnológicas e organizacionais que uma empresa deve esforçar-se em dominar para alcançar níveis de maturidade mais elevados ao longo de sua trajetória.
A terceira vertente do trabalho de Josiane prevê a aplicação dessa Matriz modelada a um grupo selecionado de empresas, buscando identificar se a participação em uma série de programas de compra de aeronaves do COMAER (AM-X, modernização AM-X, Tucano, Super Tucano e KC-390) causou impacto no desenvolvimento das funções apresentadas na Matriz.
“Esse tipo de análise contribui para o entendimento da real dinâmica industrial do setor aeronáutico brasileiro e para o delineamento das políticas governamentais. Existe também um crescente interesse por parte dos atores da área de planejamento, gestão, ciência e tecnologia, e da própria sociedade pela avaliação e transparências dos efeitos de programas tecnológicos, resultantes de grandes investimentos públicos“, afirma Josiane.
As investigações ainda estão em curso, mas os resultados preliminares dão conta de que programas governamentais de compras públicas de alto conteúdo tecnológico do Comando da Aeronáutica contribuíram e contribuem efetivamente para que a Embraer atinja níveis tecnológicos e industriais Arnoldo Cabral reconhece que o desenvolvimento tecnologicamente bem sucedido dos jatos ERJ 145 e dos E-Jets 170 e 190 teve como esteio fundamental o apoio dos Programas de Aquisição Militares.
Na pesquisa, Josiane também busca identificar as contribuições dos Programas de Defesa (aeronaves militares) em termos da acumulação de capacidades tecnológicas em funções específicas para empresas pequenas e médias da cadeia aeronáutica nacional.
“O programa AM-X não era um programa para a importação de tecnologia, mas um programa de modernização tecnológica que envolveu os esforços locais para desenvolver novos conhecimentos tecnológicos”, afirma Ligia Soto Urbina. Nesta perspectiva, um dos méritos do trabalho de Josiane é recuperar a ideia de que programas de transferência de tecnologia, como o do AM-X, e de desenvolvimento industrial, como o PIC, podem “constituir-se em alavancas importantes para o fortalecimento do setor”, acrescenta a orientadora. Em adição, o método proposto de avaliação, ao revelar os níveis de capacitação tecnológica alcançados pelas pequenas e médias empresas do setor, torna evidentes as oportunidades para implementar políticas públicas, que de fato estimulem e aprofundem o desenvolvimento das capacidades tecnológicas, no nível da firma.
Poucos estudos se arriscaram na análise dos resultados da participação de empresas em programas governamentais, especialmente no setor aeroespacial, ela acrescenta. “E existe ainda a demanda pela identificação de resultados dos programas de defesa. Os policy makers e a sociedade precisam saber os reais ganhos desses programas”.