A aviação comercial cresceu a uma taxa média de 5% ao ano nos últimos 33 anos, de acordo com números da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA). Apesar de o transporte aéreo representar, atualmente, 3% das emissões de gases de efeito estufa, esse percentual poderá saltar para 15% em 2050, considerando o ritmo de aumento da demanda global.
Ante essa perspectiva, a indústria da aviação estabeleceu metas para atingir um crescimento neutro de carbono até 2020 e reduzir em 50% as emissões de dióxido de carbono (CO2) até 2050 – tendo como referência os níveis de emissão em 2010.
A redução de emissões mobiliza a indústria, universidades e institutos de pesquisa em todo o planeta na busca de novas tecnologias que envolvem desde mudanças na estrutura e composição das asas até maior eficiência dos motores. “Mas este número só será alcançado se esses esforços forem complementados com o uso de biocombustíveis que, no balanço geral, emitem menos CO2”, afirma Pedro Teixeira Lacava, coordenador do projeto Sistemas de Combustão para uso de Biocombustíveis em Turbinas a Gás Aeronáuticas (SCBTGA) e pesquisador do Laboratório de Propulsão, Combustão e Energia (LCPE) da Divisão de Engenharia Aeroespacial do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos.
O uso de biocombustíveis na aviação não prevê modificações no motor das aeronaves. O biocombustível, portanto, deve atender a especificações similares às do querosene de aviação. “A ideia é desenvolver combustíveis drop in. O motor é cego, deve funcionar sem modificações tanto com querosene, como usando misturas deste com combustíveis tipo drop in de origem de biomassa, também chamados de bioquerosenes”, sublinha Lacava.
Esse pressuposto exige a identificação de matérias-primas que atendam ao requisito de similaridade; o desenvolvimento de tecnologia de refino; a definição da logística de distribuição do biocombustível – já que o consumo de combustível para aviação se concentra na região sudeste e as áreas produtoras de matéria-prima espalham-se pelo interior do país –; e o teste efetivo de sua aplicação.
Nessa corrida tecnológica, o Brasil tem papel importante, já que tem tradição no uso de etanol e biodiesel, sublinha Lacava. Uma série de pesquisas estão em curso em diversas universidades e institutos de pesquisas, algumas delas no âmbito de um roadmap patrocinado pela Boeing, Embraer e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O LCPE do ITA também contribui para o desenvolvimento dessas novas tecnologias por meio do projeto SCBTGA, implementado com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com recursos do Fundo Setorial Aeronáutico, no valor de R$ 1,7 milhão.
Este projeto soma-se à capacidade do LCPE de analisar as características fundamentais de combustão de combustíveis alternativos e seu uso em motores reais. “Para complementar nossa capacidade laboratorial, no projeto SBTGA estamos desenvolvendo um sistema no qual se possa testar o biocombustível em ambiente de câmara de combustão que simule uma aeronave em voo cruzeiro a 11 mil metros de altitude”, detalha Lacava.
O SBTGA é uma infraestrutura formada por duas câmaras de combustão. Uma delas é similar ao motor real, onde é possível analisar parâmetros termodinâmicos, a emissão de poluentes e composição dos gases combustão. A segunda é uma câmara de pesquisa com janelas de quartzo que, com o auxílio de técnicas ópticas, permite obter detalhes do processo de combustão, formação da mistura reativa, distribuição de temperatura na chama, formação de fuligem, entre outras características físicas e químicas da chama. “O uso das técnicas ópticas tem como objetivo entender a diferença entre a queima do querosene e a do biocombustível”, ele afirma. Trata-se de uma estrutura laboratorial única na América Latina. “Estamos nos aproximando de estrutura semelhantes já existentes na Alemanha e no Reino Unido”, compara Lacava.
A célula de teste comporta o acoplamento de duas câmaras de combustão como citado, com operação de forma alternada. Alguns testes iniciais já foram realizados na célula de teste, mas a previsão para iniciar os ensaios oficiais é o final do mês de novembro de 2015. O combustível a ser testado deverá ser um bioquerosene cuja matéria-prima é o etanol. Mais duas câmaras estão sendo construídas com geometrias para minimização de emissão dos óxidos de nitrogênio (NOx), poluentes com emissão limitada no setor aeronáutico, que também serão testadas nesta montagem experimental.
Com a incorporação da célula de teste e a recente inauguração de um laboratório para levantamento de características físicas e químicas de combustíveis, o LCPE poderá oferecer, neste levantamento, as características dos combustíveis e realizar, desde experimentos fundamentais de combustão e de combustão em um ambiente similar e controlado de turbinas a gás, até ensaios em um motor real protótipo instalado no laboratório. A missão do laboratório, ele diz, é fazer pesquisa fundamental e dar oportunidade para teste dos biocombustíveis desenvolvidos pela indústria, universidades e institutos de pesquisa. “A certificação de um combustível aeronáutico é um processo muito caro, que exige um alto grau de certeza para reduzir o risco do investimento”.