A troca de informações por e-mail ou o acesso à internet em voos comerciais já faz parte do cardápio de serviços oferecidos por diversas companhias aéreas. A conexão, no entanto, é feita, na maioria das vezes, por intermédio de satélites, com os dispositivos de comunicação em roaming. Para os usuários, os custos de conexão se equiparam aos de uma ligação internacional.
O projeto de uma nova arquitetura de sinalização de redes que proporcionasse ao usuário embarcado o acesso a esses serviços, sem a intermediação de satélites, foi o tema da tese de doutorado do matemático Marco Aurélio Campos Paiva no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos.
Marco Paiva desenvolveu e testou – utilizando um simulador de redes aeronáuticas desenvolvido pela Universidade de Salzburg, na Áustria, onde esteve por um período de seis meses durante o doutorado – uma nova arquitetura de sinalização de rede que permitiria a um passageiro embarcado acessar serviços pessoais e multimídia utilizando uma rede Air-to-Ground (ATG), através de um enlace W-CDMA.
Para o passageiro embarcado, esse acesso seria feito de forma transparente, ou seja, ele acessaria seus serviços pessoais como se estivesse em terra. “Concebemos a aeronave como um provedor de internet e, com base na literatura sobre o assunto, fizemos uma série de simulações até chegar ao modelo proposto em nossa tese”, disse Marco Paiva, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás.
A arquitetura proposta por Marco Paiva tem como suporte a Aeronautical Telecommunication Network (ATN), uma rede global que interconecta redes terrestres a enlaces ar-terra utilizados para transportar comunicações relacionadas a serviços vitais para a segurança dos passageiros de uma aeronave, como as mensagens de gerenciamento de tráfego aéreo, a rede de telefonia celular e o sistema IMS (Internet Multimedia Subsystem), que integra protocolos de internet (IP) para usuários móveis. “Embarcados em uma aeronave, os smartphones e notebooks se tornariam uma Mobile Network Node (MNN) de uma rede móvel gerenciada por protocolos do International Civil Aviation Organization (ICAO), podendo ter acesso aos mesmos serviços dos usuários IMS (3G) em terra”, detalhou Marco Paiva em artigo publicado na Revista IEEE América Latina, em julho de 2015.
A aplicação do modelo dependerá, no entanto, de que a rota da aeronave sobrevoe áreas cobertas por rede de telefonia celular, como, por exemplo, o percurso da ponte-aérea entre Rio de Janeiro e São Paulo. “O trajeto deve ser atendido por Estação Rádio Base (ERB), com as aeronaves provendo o serviço de dados. A única outra exigência é que as antenas estejam voltadas para o alto para minimizar o efeito doppler devido à velocidade de deslocamento das aeronaves”.
A comunicação entre as redes terrestres e a rede aviônica seria feita por enlace W-CDMA (Wide-Band Code-Division Multiple Access), que provê velocidades de até 2 Mbps.
Na arquitetura de sinalização de rede proposta, o tráfego de sinalização é otimizado por meio do uso do protocolo NEMO BS, que faria o gerenciamento da mobilidade dos Mobile Routers (MR) instalados nas aeronaves e, em conjunto com o protocolo Mobile Internet Protocol (MIPv6), seriam responsáveis pelo gerenciamento da mobilidade dos MNNs pertencentes aos passageiros embarcados, enquanto o protocolo Session Initialization Protocol (SIP) responderia pelo registro e pela gerência de mobilidade de uma ou mais sessões que estiverem ativas. “Com seu smartphone ou notebook na aeronave, o usuário acessa os serviços oferecidos pelo IMS como se estivesse em terra, utilizando para isso a rede ATG através de um enlace W-CDMA. O MR na aeronave gerencia a mobilidade, obtendo um novo endereço da rede toda vez que houver a mudança de sub-rede dentro de uma mesma área de cobertura”, explica Marco Paiva. Nessa conexão os dados trafegam criptografados, com segurança.
“Existem serviços assemelhados, oferecidos por companhias norte-americanas, mas com limites de conexão: em alguns casos, apenas 8 pessoas podem utilizar o serviço simultaneamente. Em nossa proposta, não há limite para o número de usuários”. Além disso, ele acrescenta, a expectativa é que, com a nova arquitetura de sinalização de rede os custos para o usuário caiam drasticamente.
Defendida no dia 30 de novembro de 2015 no ITA, a tese, orientada por Alessandro Anzaloni, foi aprovada por uma banca presidida por Osamu Saotome, da qual participaram David Fernandes (ITA), Eleri Cardozo (Unicamp) e Tereza Cristina Melo de Brito Carvalho (USP).